julho de 2014
Christof Koch
Leshabu/Shutterstock |
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De maneira inesperada, tomei contato com o romance Sidarta, de
Herman Hesse, de 1922, durante uma recente visita de uma semana ao
mosteiro Drepung, no sul da Índia. Dalai Lama havia convidado
representantes do Instituto Vida e Mente para apoiar experiências entre a
ciência moderna e a comunidade monástica budista tibetana que vive em
exílio no país. Reunimos um grupo formado por físicos, psicólogos,
neurocientistas e um filósofo francês para conversar com monges e monjas
budistas sobre assuntos como mecânica quântica, neurociência,
consciência e vários aspectos clínicos das práticas meditativas. Fomos
interrogados, investigados e, vez ou outra, gentilmente provocados por
Dalai Lama, que se sentou ao nosso lado. Aprendemos muito com ele e com
as pessoas ao redor, como seu tradutor tibetano Jinpa Thupten, doutor em
filosofia pela Universidade de Cambridge, e o monge francês Matthieu
Ricard, doutor em biologia molecular pelo Instituto Pasteur, em Paris,
considerado o “homem mais feliz do mundo”, segundo extensos estudos
neurocientíficos. E, segundo eles mesmos disseram, também aprenderam
algo conosco.
Fatos e dados foram
discutidos pelos representantes das duas formas de pensar o mundo. O
objetivo? Trocar conhecimento e agregar o saber acumulado em mais de
dois milênios de tradição oriental de investigação da mente, do ponto de
vista subjetivo, a ideias ocidentais com base em descobertas empíricas
recentes sobre o cérebro e o comportamento. A antiga sabedoria contribui
– hoje não há dúvidas – com suas diversas técnicas de meditação para
desenvolver atenção plena, concentração, percepção, serenidade, empatia,
sabedoria e, espera-se, no fim, a iluminação. Para isso, o praticante
deve, todos os dias, se sentar e permanecer tranquilo e ao mesmo tempo
atento, deixando a mente estável antes de embarcar em algo específico,
como atenção focada ou reflexão sobre a preciosidade da vida, a bondade e
a compaixão. Somente após anos de exercícios contemplativos diários
(nada vem fácil na meditação), os praticantes costumam alcançar
considerável controle sobre a mente.
Em
média 12 anos na escola, cinco na faculdade e mais alguns na
pós-graduação não preparam nossos futuros médicos, psicólogos, soldados,
engenheiros, cientistas, professores, contadores e demais profissionais
para isso. Universidades ocidentais não ensinam métodos para amadurecer
emocionalmente, cultivarmos estados mentais que nos fazem bem,
controlar a mente e desenvolver paciência ou mesmo focar em um único
objetivo ou numa atividade específica – algo extremamente útil tanto na
área profissional quanto na vida -pessoal. Em geral, não há sequer aulas
introdutórias sobre esses temas. E, obviamente, perdemos muito com
isso.
Na verdade, estamos
acostumados com a bagunça mental que compõe a vida cotidiana,
caracterizada por excesso de informações, saltos entre imagens e
fragmentos de discurso ou da memória. A concentração em uma linha de
pensamento requer esforço deliberado consciente, é trabalhoso e
geralmente tentamos nos esquivar dessa atividade. Preferimos nos
distrair com estímulos externos – conversas, jogos, redes sociais e
televisão, nos apoiando em recursos eletrônicos na tentativa desesperada
de evitar realmente pensar e entrar em contato conosco.
No
entanto, pudemos usufruir da presença de um homem de 77 anos que
permaneceu sentado, com a postura ereta, durante seis dias, por horas a
fio e com as pernas embaixo do corpo, acompanhando atentamente nossos
argumentos acadêmicos. Jamais conheci alguém (ou um povo) que parecesse
tão receptivo, satisfeito, profundamente feliz, sorridente e humilde
como os monges, que, para nossos padrões, têm uma rotina de pobreza,
privados de muitas coisas que a maioria de nós julga necessárias para
ter uma vida plenamente realizada. O segredo parece ser o controle da
mente.
O caso mais extremo de
domínio de si talvez seja a autoimolação do monge budista vietnamita
Thich Quang Duc, em 1963, para protestar contra o regime repressivo no
sul do Vietnã. O fato mais impressionante e singular desse evento foi
sua expressão calma e deliberada de seu ato heroico, capturada em
fotografias e filmagens inesquecíveis e impressionantes. Enquanto
queimava até a morte, Duc permaneceu na posição de lótus, em meditação.
Ele não moveu um músculo sequer nem soltou qualquer som enquanto as
chamas o consumiam, até que seu cadáver finalmente tombou.
Confesso
que essa cena singular me deixa perplexo. Teria dificuldades em
acreditar se tudo não tivesse sido capturado pelas câmeras de
jornalistas pasmos e visto por centenas de testemunhas.
Mudanças neuroanatômicas
Um
experimento recente, desenvolvido com base em técnicas de neuroimagem
pelo psicólogo Fadel Zeidan e pelo neurobiólogo Robert C. Coghill, que
coordenaram um grupo de cientistas da Escola de Medicina Wake Forest,
fornece pistas para explicar esse extraordinário fenômeno. Os
pesquisadores prenderam uma placa de metal à perna de 15 voluntários
escolhidos aleatoriamente e os submeteram a monitoramento por escâner.
Enquanto a temperatura do objeto variava de agradável (36,5ºC) a
levemente dolorosa (49ºC), os participantes deveriam avaliar a
intensidade e o desconforto do estímulo. Conforme previsto pelos
cientistas, a placa quente provocou aumento da atividade hemodinâmica de
estruturas envolvidas no processamento da dor, como o córtex
somatossensorial primário e secundário, áreas relacionadas ao movimento
das pernas, e de regiões frontais, como o córtex cingulado anterior e a
ínsula.
Depois, os voluntários praticaram durante 20 minutos, por quatro dias, exercícios diários de mindfullness, um
tipo de meditação em que é preciso manter a atenção focada, ou
shamatha, na qual o praticante deve se concentrar nas alternâncias da
respiração e observar pensamentos, imagens e lembranças que possam
surgir sem, no entanto, se envolver emocionalmente. A ideia da shamatha é
perceber os pensamentos, mas o praticante deve apenas deixá-los passar e
voltar a atenção à respiração.
A desagradável sensação da placa quente tocando a pele foi amenizada depois que os voluntários começaram a praticar mindfulness – o
desconforto geral diminuiu 57%, e a intensidade da dor 40%. O
surpreendente é que os resultados foram percebidos depois de as pessoas
passarem apenas por um treinamento básico. Obviamente a experiência em
laboratório está bem longe de amenizar a agonia inimaginável de queimar
até a morte. Ainda assim, oferece algumas pistas para explicar o
fenômeno. O fato é que a atenção plena favoreceu o sentimento de
distanciamento e reduziu a experiência subjetiva da sensação da placa
tocando a pele. Porém, ficamos intrigados a respeito de como esse
processo se dá no cérebro.
A
meditação ajudou a diminuir a atividade relacionada à dor no córtex
somatossensorial primário e secundário. Participantes que sentiram
redução na intensidade da aflição demonstraram aumento na ação da ínsula
direita e nos dois lados do córtex cingulado anterior. Já aqueles que
sentiram menor desconforto com a dor – o que de fato chama a atenção da
maioria das pessoas – demonstraram maior ativação em regiões do córtex
orbitofrontal e redução na atividade do tálamo, o que provocou
alterações nos canais de membranas celulares que recebem informações
sensoriais.
Essas técnicas
milenares favorecem as habilidades mentais de controlar emoções e moldar
o impacto de eventos externos sobre a mente. Isolando as regiões
pré-frontais do cérebro, o caminho até o tálamo sofre alterações, o que
reduz o fluxo de informações recebidas de regiões periféricas, levando à
diminuição da sensação dolorosa. A capacidade de orientar o pensamento
da forma como escolhemos fazê-lo não é mágica, sobrenatural ou
transcendental – e pode ser aprendida e treinada. A questão é saber se
somos suficientemente inteligentes e cuidadosos conosco para usufruir
dessa vantagem neural.
Em 2008, o
psicólogo Richard J. Davidson e sua equipe da Universidade de Wisconsin
Madison publicaram um estudo clássico, com a participação de monges
budistas, do qual Matthieu Ricard fez parte. Eles submeteram oito deles e
dez estudantes ocidentais a exames de eletroencefalograma (EEG). Os
voluntários receberam 128 eletrodos na cabeça que ajudaram a mapear seu
cérebro. Depois, os monges foram convidados a atingir o estado de
“bondade e compaixão incondicional”, também conhecida como “bodichita”
(nesse tipo de meditação o praticante não se concentra em um único
objeto, mas no amor e desejo de felicidade de todos os seres
sencientes). Os outros voluntários deveriam pensar em alguém com quem se
preocupavam profundamente e, em seguida, tentar generalizar os
sentimentos que surgiam, direcionando-os a todos. Conforme os monges
entraram em meditação, a atividade elétrica de alta frequência das ondas
gama (entre 25 e 42 oscilações por segundo) aumentou e as ondas
tornaram-se sincronizadas em todo o córtex frontal e parietal, conforme
revelou o EGG. Muitos cientistas acreditam que essa seja a marca de
grupos de neurônios “hiperativos” e aparentemente espalhados,
tipicamente associados ao foco na atenção. De fato, a atividade gama
desses monges é a maior conhecida (em condições saudáveis) e 30 vezes
mais alta do que dos principiantes. Quanto mais tempo de prática
meditativa, mais forte o poder estabilizador das ondas gama.
O
que mais chamou a atenção foi o fato de que, mesmo em repouso e
silêncio, fora do estado meditativo, os monges demonstraram atividade
cerebral bem diferente da dos alunos. As técnicas praticadas pelos
budistas há milênios para alcançar a serenidade e expandir a mente são
realmente capazes de transformar o cérebro. Os efeitos foram mais
evidentes naqueles com maior experiência.
No entanto, estudar
teoricamente a meditação e seus efeitos não traz os benefícios de sua
prática – e muito menos sabedoria. Inspirado no jovem Sidarta do romance
de Hesse, deixei a comunidade monástica mais rico em conhecimento e
aprendi outras maneiras de olhar o mundo. A minha busca continua.